É
muito comum nas nossas cidades nos depararmos com aquela cena do
vizinho que se muda ou se ausenta por longo período e deixa seu pobre e
indefeso cão condenado à própria sorte, sob o frio e chuva, sem água e
nem comida. Comovidos com a dor e sofrimento diário do bichinho, a
vizinhança e transeuntes tentam alimentá-lo, já outros denunciam o
abandono à polícia ou desabafam nas redes sociais.
Temendo
a questão legal da inviolabilidade do domicílio alheio, a maioria das
pessoas refutam a ideia de promover o pronto e imediato resgate do
animal. Esperam por uma providência do Poder Público, tentam contactar o
dono do imóvel ou algum parente conhecido que tenha autorização de lá
ingressar sem problemas. Enquanto isso, os maus-tratos vão devorando a
saúde do cão que, debilitado, parece sucumbir à negligência de seu
proprietário.
Acontece que a regra da inviolabilidade
do domicílio, assim como qualquer outra disposta nas nossas leis
vigentes, não é absoluta. A própria Constituição Federal é clara ao
proclamar que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela
podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de
flagrante delito. Igualmente, o Código Penal, após tipificar o delito de
violação de domicílio, faz a ressalva de que não constitui crime a
entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências a qualquer
hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou
na iminência de o ser.
Acertadamente,
nossa legislação não elegeu quais infrações penais seriam autorizativas
da invasão do domicílio alheio, foi genérica e abrangente. Aí,
naturalmente, incluindo os delitos derivados de condutas e atividades
lesivas ao meio ambiente, fauna e flora, como, p. Ex., o crime da
prática de ato de abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação de animais
silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos - Art. 32,
da Lei 9.605/98.
Para quem não é acostumado ao
juridiquês, bom ressaltar que o crime do Art. 32 da Lei de Crimes
Ambientais possui elementar que pode perfeitamente classificá-lo como
crime omissivo permanente, qual seja, "maus-tratos”. O Dicionário
Priberam Eletrônico assim define maus-tratos: "conjunto de ações ou
comportamentos infligidos a outrem e que colocam em perigo a sua saúde
ou integridade física e que constitui delito (pode incluir trabalho
impróprio ou excessivo, castigos físicos ou outras punições, alimentação
insuficiente, negligência nos cuidados de saúde etc)”.
Assim,
em síntese, enquanto não cessada a omissão e negligência do dono do
animal em situação de grave e periclitante abandono, o crime se protrai
no tempo, podendo o sujeito ativo do delito receber voz de prisão em
flagrante a qualquer momento, cessando a consumação do crime.
O Código de Processo Penal também
chancela a conduta de resgate do animal vítima de maus-tratos, na
modalidade omissiva permanente. Prescrevendo que qualquer do povo poderá
e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que
seja encontrado em flagrante delito. Ao arremate, esclarece esse
Diploma que nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante
delito enquanto não cessar a permanência (Art. 303).
Em conclusão, a garantia (não-absoluta e
flexível) da inviolabilidade do domicílio fica condicionada ao
atendimento das leis do País, abrangido o respeito, amor e dedicação aos
animais e suas necessidades básicas de uma existência digna.
Caso contrário, o flagrante delito
contra o meio ambiente deverá ser contido por pessoa, entidade ou órgão
habilitado a promover o resgate do animal, sem excessos, lavrando-se,
ato contínuo,a ocorrência policial, para responsabilização civil, penal e
administrativa do agente descuidado.
Fonte: Juiz de Fora Segura